terça-feira, 27 de outubro de 2009

Entrevista com Armando Guimarães Nembri, co-autor do livro Ouvindo o silêncio: surdez, linguagem e educação, Editora Mediação, 2008

Como surgiu a idéia da parceria com Angela Carrancho para escrever o livro?

Acredito na Teoria da Sincronicidade, de Carl Jung, e na famosa frase “Deus não joga dados”, de Albert Einstein.

Comecei o Curso de Mestrado já com a preocupação de encontrar um Orientador que conhecesse, mesmo que minimamente, a Cultura Surda Brasileira. Por intermédio de alguns colegas de Curso, soube que uma das Professoras do Mestrado, a Professora Dra. Angela Carrancho, cuja Tese de Doutorado foi “Karytu”, um software concebido com o objetivo de criar um ambiente de aprendizagem que viabilizasse a “essência” bilíngüe, detinha, por motivos óbvios, algum conhecimento acerca do indivíduo surdo. Como o meu alarme interno disparou (e esse som eu escuto), eu soube que a Professora Angela seria a minha Orientadora. Não foi difícil convencê-la; “já estava escrito nas estrelas”.

Ao final da Dissertação, a Professora Angela conseguiu “tirar-me do eixo”. Ela perguntou, com muito carinho, “Armando, quer escrever um livro comigo?”. Eis, então, a “gênese” de “Ouvindo o Silêncio” que, espero, seja o primeiro de muitos...e na companhia de minha querida Professora, minha querida Orientadora.

De que forma a surdez influenciou no seu processo de aprendizagem e inclusão escolar?

Por mais paradoxal que seja, a surdez acelerou o processo de minha busca pelo homem inteiro que espero ser um dia. E hoje, sentindo-me apto a prosseguir nessa busca, acredito, sinceramente, que a surdez foi um presente para mim. De uma forma muito especial, esse presente deu-me uma visão do mundo em que vivemos (um mundo que inclui e exclui ao mesmo tempo) bastante particularizada e que, por intermédio das palestras motivacionais que venho proferindo, começo a relatar. Como feedback, a receptividade tem sido fantástica.

Com relação à inclusão, no meu tempo de “primário, ginásio, admissão e científico” (bom lembrar desses termos), não se falava nisso. Havia a apologia da “Escola Igual para Todos”. Mas a Escola não estava preparada para receber-me, não estava preparada para receber quaisquer portadores de necessidades educativas especiais. A incongruência do discurso com a ação era evidente. Minha família e eu tínhamos que lidar com essa incongruência da melhor forma possível; creio que conseguimos.

Quais os principais obstáculos encontrados por uma criança surda na escola de hoje?

Procurando sair do lugar comum (exemplos: (a) poucos Professores com qualificação específica (b) remuneração na razão inversa da imensa responsabilidade que um Professor de surdos tem (c) desconhecimento das autoridades acerca da causa surda (d) pouca expressão do indivíduo surdo no cenário da cidadania ativa), tenho um ponto de vista. Somos todos portadores de necessidades educativas especiais e vivemos em uma Sociedade excludente por natureza, uma Sociedade que consegue, inclusive, excluir o planeta onde vive. Deste modo, acredito que todas as nossas crianças, no que é pertinente ao aspecto educacional, estão passando por problemas quase que semelhantes.

Respondendo à pergunta, posso elencar alguns desses obstáculos (que são muitos). São eles:

• Ainda não temos, em minha opinião, uma Escola que, de fato e efetivamente, inclua. Para tal, primeiramente, é preciso gerar, na criança surda, a necessária confiança em quem a direciona para o futuro, a percepção de que, no aspecto educacional (tanto na Escola como na Família), vive uma atmosfera com “doses maciças” de amor e paciência.

• A abordagem pedagógica atual é moldada por “ouvintes”; os pesquisadores surdos (eles já existem) podem e devem ser consultados com relação à melhor condição de aprendizagem da criança surda.

• A não preparação de pais e familiares. Tal preparação é condição essencial para o desenvolvimento da criança surda em uma Sociedade “ouvinte”. A Escola precisa trazê-los para o seu cotidiano e, no passo a passo da vida escolar, inseri-los como agentes colaboradores da mudança da condição surda na Sociedade Majoritária. A implantação de Cursos, nas Escolas Especializadas em Surdez, para pais e familiares, amenizaria os problemas que se avolumam na “malha familiar”, em função do desconhecimento da causa surda.

• Comunidades surdas e “ouvintes” não se conhecem. O desconhecimento impede uma maior conscientização cultural, bem como impede a melhoria da comunicação entre as partes envolvidas. Crescer nesta conjuntura é desestimulante. A sensação de abandono, como se fosse isolamento, é grande.

• Escassez de programas educativos, lúdicos e de entretenimento na televisão brasileira apresentados com legendas; a criança surda brasileira precisa se familiarizar com a Língua Portuguesa. Crescer com a Língua Portuguesa ao mesmo tempo em que aprende a LIBRAS.

• A criança surda cresce em uma Escola que não garante a sua ascensão ao Ensino Superior, à Especialização, ao Mestrado e ao Doutorado (as condições do aprendizado são diferentes, mas nós disputamos em igualdade de condições com os “ouvintes” as poucas vagas disponíveis nos melhores cursos do país; lembro-me de uma certa frase, e que me faz pensar bastante acerca dessa discussão... “tratar com igualdade os desiguais nunca foi, não é e nunca será democracia”). O investimento na formação de pesquisadores surdos poderia proporcionar, a médio e longo prazo, uma mudança na condição cultural do indivíduo surdo e um encurtamento de seu caminhar rumo à efetiva condição de cidadão ativo.

De que maneiras o livro pode ajudar na criação de uma escola mais igualitária?

A nossa maior preocupação foi, e é, com a mudança da percepção social da Sociedade “ouvinte” acerca do indivíduo surdo. “Ouvindo o Silêncio” emite uma voz que pede, implicitamente, e o tempo todo, uma chance. Chance esta que adviria da expansão do olhar “ouvinte” sobre as nossas reais possibilidades. A chance de apostar na diferença para obter e fazer parte de uma Sociedade mais justa. Além disso, creio que “Ouvindo o Silêncio” pode contribuir não só com a melhoria do ambiente escolar, mas como também com a melhoria do discernimento e da postura “ouvinte” com relação a nós...surdos, à medida em que promove uma forte argumentação no sentido de que vale a pena investir em seres humanos que, apesar das “diferenças” a transpor, sabem que o problema não é, nunca foi e nunca será a sua condição, mas sim as escolhas que fazem no cotidiano de suas vidas.

“Ouvindo o Silêncio” pode ser considerado uma “autobiografia” ou “memórias”?

Sinceramente, não sei a resposta. Deste modo, acrescento meu ponto de vista que, acredito, elucidará a questão. Sou o autor do texto e protagonista da história (o que poderia evidenciar uma “autobiografia”), mas com toda a certeza não recontei todos os eventos que se sucederam ao longo de minha vida que, posso adiantar, foi, sob inúmeros aspectos, principalmente os afetivos e espirituais, “sui generis”... singular. Ao relatar minha experiência pessoal na vivência da surdez por mais de quatro décadas, procurei convencer o público leitor da viabilidade da inclusão do surdo, como cidadão ativo, no cenário social da Sociedade Majoritária, desde que sejam dadas as necessárias e óbvias condições para tal .

Por fim, considero o relato em “Ouvindo o Silêncio” como exemplo e como opção de luta vitoriosos.

http://www.jussarahoffmann.com.br/site/artigo.asp?id=14&pagina=1

Um comentário:

  1. Primeiramente gostaria de parabenizá-los pelo blog. Sou fonoaudióloga e trabalho com crianças e adultos com necessidades especiais.
    Acabei de assistir a matéria sobre o Armando na Record e fiquei muito emocionada com o seu exemplo de vida e principalmente de ser humano. Muito boa essa reportagem aqui do blog também.

    Abraço,

    Alessandra.

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